Por Julia Cristina Reinehr.
Em um cenário econômico desafiador, muitas empresas se deparam com dificuldades financeiras, contexto em que identificam na recuperação judicial uma alternativa para evitar a quebra da empresa e viabilizar o reestabelecimento da sociedade. Nesse processo empresarial, a empresa devedora apresenta o pedido de recuperação à Justiça, mediante explicação dos motivos da crise e, em momento posterior, apresenta um plano detalhado de como pretende se restabelecer, através de renegociação das dívidas com os credores e planificação de novos projetos para manter-se ativa, o denominado plano de recuperação judicial.
A Lei de Recuperação e Falência (n.º 11.101/2005) disciplina que o plano de recuperação judicial deve contar com a aprovação da totalidade dos credores e, nesse contexto de unanimidade, surge o cram down, instituto importado do direito norte americano, que autoriza o juiz a conceder a recuperação, ainda que mediante dissidência de credores e a consequente não aprovação do plano recuperacional.
A legislação brasileira estabelece que, basta que apenas um credor ofereça objeção ao plano de recuperação judicial oferecido pelo devedor, para que o juiz designe a assembleia geral de credores. Nessa assembleia, os credores decidem sobre a aceitação ou rejeição do plano mediante a votação por classes. Na primeira classe, discutem-se os créditos trabalhistas; na segunda classe, as garantias reais; na terceira classe, enquadram-se os demais créditos; e na quarta e última classe, discutem-se os créditos das empresas de pequeno porte.
Considera-se aprovado o plano quando obtiver votos favoráveis de todas as classes de credores na assembleia geral de credores, e rejeitado quando não alcançado o consenso. No entanto, mesmo diante da rejeição, o juiz possui a prerrogativa de conceder a recuperação judicial por meio do cram down, visando preservar a continuidade da empresa, garantir o pagamento dos créditos, além da manutenção dos empregos.
Nota-se que, em regra, a deliberação na assembleia geral de credores é soberana, na medida em que é conferido aos credores a análise da saúde econômico-financeira do devedor, além do exame da conveniência e oportunidade de submissão ao regramento do plano recuperacional que, por vezes, contempla previsões de descontos de 40% a 60% do valor originário da dívida. Porém, surge como uma exceção a essa regra, a concessão compulsória da recuperação judicial, quando identificados alguns requisitos.
Para a aplicação desse mecanismo, o magistrado deve observar os seguintes elementos: se há voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes; aprovação do plano em pelo menos três classes, ou, caso haja somente três classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos duas das classes ou, caso haja somente duas classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos uma delas; aprovação de pelo menos 1/3 dos credores da classe que o rejeitou.
Preenchidos esses pressupostos, mesmo sem a aprovação pela unanimidade das classes de credores, o juiz pode conceder a recuperação judicial, devendo motivar a decisão para a demonstrar a compatibilidade com as finalidades pretendidas com a recuperação judicial, assim como para conferir transparência e viabilizar a superação da crise empresarial, diante do princípio da preservação da empresa.
Nota-se, assim, que o cram down emerge como uma ferramenta que flexibiliza a aprovação do plano de recuperação judicial, que tem como primordial objetivo o distanciamento da falência empresarial, ao passo da reorganização e impulsionamento econômico, ao repactuar dívidas e promover o desenvolvimento financeiro.
Dessa forma, o cram down desnuda-se uma ferramenta compatível com a soberania da assembleia geral de credores, na medida em que se revela um mecanismo que privilegia a deliberação da maioria dos credores, especialmente porque atua para evitar abuso de direito de voto e sempre na perspectiva do princípio da preservação da atividade empresarial, proporcionando que as empresas que demonstrem probabilidade de reestabelecimento da econômico-financeiro continuem com as suas operações.
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