Por Lucas Ferreira de BarrosRenan de Paula Vasconcellos.

A globalização trouxe influência massiva no cotidiano da população, em especial por meio das redes sociais, e, consequentemente, criando-se novas vertentes de atuação na divulgação de publicidades e estratégias de marketing, especialmente com a atuação de influenciadores digitais (i.e. influencers).

Assim, passou-se a permitir que estes influencers, por meio das redes sociais, estabelecessem, ou, ao menos, demonstrassem estabelecer, conexões mais próximas e emocionais junto aos seus seguidores, inclusive mediante oferta e anúncio de produtos e/ou serviços de forma, supostamente, mais “espontânea” e “verdadeira”.

Ocorre, contudo, que em muitos cenários, não há a devida clareza ou a devida transparência por tais influencers aos seus seguidores de que, por vezes, estão sendo remunerados pelos fornecedores de tais produtos e/ou serviços para que seja realizada a promoção de suas marcas, de seus produtos e/ou serviços.

A atuação destes influencers também é uma nova realidade que já se apresenta e, cada vez mais, vem se consolidando nos mercados financeiro e de capitais no Brasil (“FInfluencers” e “Mercado Financeiro”), seguindo-se a mesma tendência global. De acordo com a 6ª Edição do relatório “FInfluence – Quem fala de investimentos nas redes sociais” (“Relatório ANBIMA”)[i], publicado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (“ANBIMA”), em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (“IBPAD”), o número de seguidores dos 534 influencers brasileiros monitorados chegou a 208 milhões de usuários no fim do segundo semestre de 2023.

Haja vista que os FInfluencers, muitas vezes, tendem a promover suas atividades mediante a divulgação de informações/opiniões sobre valores mobiliários (i.e. papéis), operações, intermediários e emissores de valores mobiliários – ou seja, sobre atividades ou entes regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) –, há que se ponderar se tais relatos seriam, ou não, enviesados. Isso porque, recorrentemente, identifica-se que há pagamento de valores (ou outra modalidade de retribuição) por entes regulados pela CVM para a promoção e divulgação de anúncios.

Deste modo, é cediça a verificação e cumprimento das normas de conduta aplicáveis aos entes regulados e estabelecidas pela CVM, uma vez que se pode depreender que os FInfluencers, podem ser patrocinados, direta ou indiretamente, de forma pecuniária, ou não, por entes regulados. Tal necessidade decorre, de modo geral, em função: (i) do exercício irregular de atividade regulada pela CVM; ou (ii) pelo descumprimento de normas de conduta estabelecidas pelo regulador, em especial, àquelas concernentes à divulgação de potenciais conflito de interesses.

A crescente popularidade de FInfluencers decorre do interesse do público em geral de aprender sobre o universo do Mercado Financeiro, aprimorando seus conhecimentos em tais assuntos, possibilitando assim o acesso para a realização e gestão de seus próprios investimentos. Tudo isso é facilitado pela conveniência e praticidade de consumir conteúdos por meio dessas plataformas digitais e, portanto, facilitando situações que possam implicar na ocorrência de fraudes, ausência de transparência ou, ainda, para que atividades (auto)reguladas sejam praticadas por pessoas/entidades que não estejam devidamente habilitadas/autorizadas pelos agentes (auto)reguladores de mercado (i.e. CVM, B3, ANBIMA, APIMEC, BSM).

Assim, entes e agentes do Mercado Financeiro vêm realizando distintos estudos e análises, consolidando-os em relatórios, prevendo indicadores que consubstanciam o crescimento da popularidade e da quantidade de FInfluencers no Mercado Financeiro e, consequentemente, os riscos relacionados.

O número de investidores saltou de 1 milhão em maio de 2019 para quase 3,2 milhões em novembro de 2020” (ANBIMA. Abril, 2024. FInfluence: quem fala de investimentos nas redes sociais.)

Conforme estudo realizado pela B3 – Brasil, Bolsa, Balcão, em 2020[ii], mostrou-se que a fonte mais relevante para obtenção de conhecimento por pessoas físicas é a mídia digital, independentemente das faixas de renda destas. Tal questão é ainda mais acentuada quando tratamos de investidores com idade média de 32 anos.

Relativamente aos impactos no Mercado Financeiro, em termos quantitativos, conforme Relatório ANBIMA[iii], “desde o início do monitoramento, em setembro de 2020, a quantidade de influenciadores mais que dobrou (de 266 para 534) e a de seguidores cresceu em um ritmo ainda mais expressivo, de 181% indo de 74 milhões para 208 milhões neste último recorte.

Além de mais volumoso, o público é cada vez mais engajado. As interações médias (medidas por curtidas, comentários e compartilhamentos) subiram 11,6% na comparação entre o primeiro e o segundo semestre de 2023, apesar da queda de 2,8% no volume de publicações. Esses números sugerem que os influenciadores estão conseguindo usar os algoritmos das redes sociais em favor próprio, selecionando temas e abordagens, que engajam a audiência, focando na qualidade em detrimento da quantidade.” (grifos nossos)

Com o aumento significativo da popularidade de influenciadores, atrelado ao consequente fenômeno e aumento massivo de investidores no Brasil, a equipe de Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos da CVM (“ASA”), divulgou, em abril de 2023, um Estudo de Análise de Impacto Regulatório (“Relatório de Análise de Impacto”), com o objetivo de analisar o custo-benefício da edição de regramento para ampliar a transparência da relação comercial entre FInfluencers e participantes do mercado de valores mobiliários, considerando uma análise de custo-benefício e mensurações de caráter qualitativo.

Para os cenários em que haja “patrocínio” a FInfluencers por entes regulados, porém, porventura, se identifiquem atuações de FInfluencers que sejam irregulares no Mercado Financeiro, ressalta-se que já há medidas e previsões legais e regulatórias porquanto às capacidades de supervisão e fiscalização pelo regulador, com procedimentos sólidos, já estabelecidos para identificação, avaliação e eventual sanção de ações irregulares – tais metodologias também são reforçadas através de convênios de cooperação técnica e operacional entre agentes reguladores e autorreguladores do mercado.

Nesse sentido, a equipe da ASA sugeriu que, de forma similar às orientações da International Organization of Securities Commisions (em português, Organização Internacional de Valores Mobiliários) (“IOSCO”), bem como ao que já ocorre em outras jurisdições, a CVM discutisse o estabelecimento de um regramento específico que impusesse aos regulados que contratassem FInfluencers mediante obrigação de que divulgassem o patrocinador, de modo que informassem estarem sendo remunerados por tal divulgação.

Tal medida atenderia o disposto em relação às normas de conduta, dando transparência necessária público-alvo desse conteúdo, a fim de que se evite que reste prejudicada a credibilidade e a higidez do Mercado Financeiro, além de evitar possíveis conflitos de interesses por eventual imparcialidade na divulgação de determinado conteúdo.

Dessa forma, a partir da conclusão e publicação do Relatório de Análise de Impacto, a CVM apresentou o Edital de Consulta Pública SDM 04/2023 (“Consulta Pública”), para, dentre outros objetivos, receber sugestões dos participantes regulados do Mercado Financeiro acerca das opções regulatórias para abarcar as questões envolvendo a contratação, promoção, divulgação e transparência nas relações dos participantes regulados com os Influenciadores, conforme sugerido no Relatório de Análise e Impacto.

Cumpre ressaltar que a CVM expôs de forma bastante clara que, sua intenção, não é regular a atuação dos FInfluencers em si, mas sim regular, em linha com sua agenda regulatória dos últimos anos, a necessidade de transparência aos consumidores/investidores acerca das relações comerciais mantidas por esses Influenciadores com os participantes regulados pela autarquia, prestando, assim, a clareza informacional necessária ao mercado e aos seus investidores.

Neste momento, a Consulta Pública já está encerrada, e o regulador está analisando e consolidando as sugestões recebidas, para, então, seguir com eventuais novas determinações e procedimentos regulatórios necessários acerca deste tópico.

Por outro lado, cumpre ressaltar que, muitas das atividades desempenhadas por esses FInfluencers já são caracterizadas, direta ou indiretamente, como atividades reguladas pela CVM, destacando-se, sem limitação, as atividades profissionais reguladas para: agentes autônomos de investimentos, conforme Resolução CVM nº 16; consultores de valores mobiliários, conforme Resolução CVM nº 19 e; analista de valores mobiliários, conforme Resolução CVM nº 20.

Nesse sentido, reitera-se o fato de que distintas atividades desempenhadas pelos FInfluencers (tais como recomendações de investimento, análises econômicas, prospecção de novos investidores, oferta de produtos e/ou serviços) já são reguladas – ou seja, os FInfluencers devem ter cautela na recomendação e/ou divulgação de oportunidades/questões relativas ao Mercado Financeiro, uma vez que tais atividades podem ser reguladas pela CVM, buscando-se adequarem aos normativos legais a fim de que evitem incorrer em sanções, diretas ou indiretas, da autarquia e/ou dos agentes autorreguladores de tal mercado.

Conclui-se que a forte e ascendente atuação dos FInfluencers, em especial, dentre o público em geral é motivo de preocupação pelos entes (auto)reguladores, e que, portanto, medidas e alternativas vem sendo estudadas e implementadas para resguardar a eficácia de regras e premissas que visem a proteção da poupança popular, devendo estarem resguardados os deveres e obrigações de transparência informacional, confiabilidade e regularidade na atuação no Mercado Financeiro, sejam pessoas física ou jurídicas, direta ou indiretamente, impactadas pela regulamentação e/ou pelo(s) (auto)regulador(es) deste mercado.

Por fim, recomenda-se aos FInfluencers que busquem entender se as atividades por eles desempenhadas estariam abarcadas pelos dispositivos legais ou infralegais já existentes, a fim de que se resguardem e evitem estarem sujeitos às medidas e penalidades que pudessem incorrer em função de eventual atuação irregular no Mercado Financeiro.

Nós, aqui da Cassuli, atuamos nas mais diversas frentes relacionadas a adequação e observação das normas legais do Mercado Financeiro, oferecendo assessoria jurídica especializada a nossos clientes.


[i] ANBIMA. FInfluence: quem fala de investimentos nas redes sociais. Abril, 2024. Disponível em: https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/influenciadores-de-investimentos-6.htm. Acesso em: 20 de junho de 2024.

[ii] B3 – A Descoberta da Bolsa pelo Investidor Brasileiro. Dezembro, 2020. Disponível em https://www.b3.com.br/data/files/DE/47/57/09/B3866710D32004679C094EA8/Pesquisa%20 PF_Apresentacao_final_11_12_20_.pdf. Acesso em: 26 de junho de 2024.

[iii] ANBIMA. FInfluence: quem fala de investimentos nas redes sociais, Pg. 6. Abril, 2024. Disponível em: https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/influenciadores-de-investimentos-6.htm. Acesso em: 26 de junho de 2024.

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