Por Lucas Ferreira de Barros e Rafael Rodrigo Packer Rodrigues.

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou, em 22 de abril de 2022, a Resolução CVM n° 175/22 (“RCVM 175”), que altera a regulamentação aplicável aos fundos de investimentos (“Fundos”) e a seus prestadores de serviços, em especial, administradores e gestores de recursos de terceiros, considerados agora como prestadores de serviços essenciais dos Fundos (“Prestadores de Serviços Essenciais”).

A RCVM 175 foi editada com o propósito de aprimorar e modernizar o arcabouço regulatório atinente aos Fundos, inclusive em relação às estruturas de suas documentações e informações regulatórias, em especial os regulamentos dos Fundos, sistematizando e regulamentando as inovações trazidas pela Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, conhecida como a “Lei de Liberdade Econômica”, bem como trazendo importantes mudanças nas regras de conduta, governança, transparência, controle e supervisão dos Prestadores de Serviços Essenciais.

Neste artigo, vamos destacar as principais alterações e os seus impactos para os Prestadores de Serviços Essenciais, considerando a revogação das normas anteriormente vigente para os Fundos no Brasil, quais sejam as Instruções CVM nº 555 (“ICVM 555”), CVM nº 356 (“ICVM 356”), CVM nº 444 (“ICVM 444”), CVM nº 578 (“ICVM 578”) e CVM nº 472 (“ICVM 472” e, em conjunto, “Instruções CVM”).

Conforme anteriormente estabelecido pelas Instruções CVM, ao administrador fiduciário (“Administrador”) compreendia a constituição, de forma unilateral, dos Fundos, bem como todos os serviços ligados, diretamente ou indiretamente, à operação e manutenção dos Fundos, e podiam ser, inclusive, realizados individualmente pelo próprio Administrador, ou, exceto pela atividade de administração, em relação às demais atividades, realizadas por terceiros, contratados diretamente pelo Administrador, em nome dos Fundos e/ou de sua(s) classe(s) de cota(s), conforme permitido por referidos normativos até então vigentes.

Quando se tratava do gestor de recursos (“Gestor”) dos Fundos, já lhe era atribuído o poder de negociar e contratar os ativos financeiros e os intermediários em nome dos Fundos e/ou de sua(s) classe(s) de cota(s), além de poder representar e assinar contratos relacionados a essas negociações, representando os interesses das carteiras dos Fundos e de seus cotistas (“Cotistas”), sem prejuízo da existência de previsão compulsória de responsabilidade solidária das obrigações com o Administrador nos contratos de prestação de serviços de gestão de recursos firmados até então.

Deste modo, quando contratado, incumbia ao Gestor representar e tomar as decisões sobre os investimentos realizados pelas carteiras dos Fundos, incluindo a emissão de ordens de compra e venda de ativos financeiros, e o envio das informações sobre as transações realizadas pelos Fundos ao Administrador, ou ao prestador de serviço contratado para esta função, conforme o caso.

Não obstante, tanto o Administrador como o Gestor já eram sujeitos a uma série de deveres, responsabilidades e vedações, visando a proteção do investidor e, desse modo, a responsabilidade de ambos ocorreria nos casos de: (i) desrespeito à legislação, às normas da CVM, ou ao regulamento do Fundo, independentemente se de forma dolosa ou culposa; (ii) em razão da má ou falta de diligência do Administrador e/ou do Gestor; ou, ainda, (iii) em razão de práticas realizadas em conflito com os interesses do Fundo e/ou de seus Cotistas.

Como forma de trazer ainda mais proteção e clareza quanto às responsabilidades de cada um dos Prestadores de Serviços Essenciais Fundos e aos Cotistas, a CVM editou a RCVM 175, que veio acompanhada de desafios e alterações nas responsabilidades dos Prestadores de Serviços Essenciais, em especial, quando da gestão de fundos de investimento em direitos creditórios (“FIDCs”), adicionando-lhe responsabilidades que antes cabiam e/ou eram de capacidade exclusiva ao Administrador.

Portanto, RCVM 175 concedeu maior autonomia e responsabilidade ao Gestor também na contratação de terceiros para prestarem serviços para os Fundos e/ou às suas classes de cotas, tais como distribuidores de valores mobiliários (“Distribuidor”), consultores de investimento (“Consultor de Investimento”), consultores especializados (“Consultor Especializado”), originadores de créditos (“Originador”), agências de classificação de risco de crédito (“Agência de Rating”), devendo nestes casos, fiscalizar suas respectivas atuações no tocante à observância às regras e procedimentos aplicáveis para cada prestador de serviços, a depender do tipo e da classificação dos Fundos.

De outro modo, ao Administrador, como regra geral, cabe a responsabilidade de contratação de terceiros, em nome dos Fundos e/ou de suas classes de cotas, em especial, prestadores de serviços de tesouraria, controle e processamento de ativos, escrituração de cotas, e auditoria independente.

Assim, sem prejuízo da retirada de previsão contratual determinando a responsabilidade solidária entre os Prestadores de Serviços Essenciais e da respectiva autonomia outorgada a cada um dos Prestadores de Serviços Essenciais, ao menos neste primeiro momento de transição regulatória, o regulador optou por manter determinadas obrigações regulatórias com obrigação mútua pelos Administrador e Gestor em relação às respectivas obrigações do outro Prestador de Serviços Essencial.

São exemplos das obrigações conjuntas dos Prestadores de Serviços Essenciais: (i) previsão de metodologias e métricas para gestão de liquidez dos Fundos e/ou de suas classes de cotas abertos(as); (ii) elaboração do plano de reenquadramento da carteira dos Fundos e/ou de suas classes; (iii) elaboração de plano de resolução de patrimônio líquido negativo; e (iv) elaboração dos planos de liquidação dos Fundos e/ou de suas classes para submissão e aprovação em assembleias gerais de cotistas.

No tocante aos FIDCs há alterações ainda mais relevantes às atividades do Gestor, que passou a ser responsável: (i) pela estruturação do Fundo; (ii) pela análise e seleção dos direitos creditórios; (iii) pelo procedimento de registro ou entrega dos direitos creditórios; (iv) pela verificação do lastro dos direitos creditórios; (v) verificação das condições de cessão; e (vi) pela contratação, em nome do Fundo e/ou de sua(s) classe(s) de cota(s), dos prestadores de serviços de consultoria especializada, de originação e/ou de agência de cobrança, conforme o caso. Além disso, os Gestores devem observar os limites e as condições estabelecidos pela norma para realizar operações de originação e distribuição de crédito, evitando conflitos de interesse e mitigando riscos.

Por fim, é inequívoco que a RCVM 175 representa um marco regulatório importante para a indústria de Fundos no Brasil, pois passa a segregar e delimitar as responsabilidades de cada um dos Prestadores de Serviços Essenciais, inclusive para ampliar as possibilidades de atuação dos Gestores, bem como para trazer maior transparência de informações ao mercado e aos seus investidores, buscando alinhar-se às práticas nacionais e internacionais de atuação no setor, seguindo as recomendações do Comitê de Basileia e do Conselho de Estabilidade Financeira.

Na Cassuli estamos preparados para lhes auxiliar na avalição das implicações e oportunidades relacionadas a essas matérias. Para maiores informações e esclarecimentos, consulte nosso time de Advisory, formado por especialistas nos Mercados Financeiro e de Capitais.

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