Por Rafael Rodrigo Packer Rodrigues e Renan de Paula Vasconcellos.
Em 18/03/2024 foi publicada a Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal (“COSIT”) nº 21, de 14/03/2024 (“SC COSIT nº 21”), por meio da qual se firma o entendimento da Receita Federal acerca do tratamento tributário a ser aplicável nos casos de transferência de cotas de: (i) fundos de investimento renda fixa fechados, conforme Instrução CVM n° 555/14 (“ICVM 555”), revogada pela Resolução CVM nº 175/22 e respectivo Anexo Normativo I (“RCVM 175” e “Anexo Normativo I”) e, cumulativamente, aqueles abarcados pela Seção I da Instrução Normativa RFB nº 1.585/15 (“FIs Renda Fixa Fechados” e “IN 1.585”, respectivamente); e (ii) fundos de investimento em ações fechados (“FIAs Fechados”), nas hipóteses de transferência de cotas de referidos fundos em decorrência de sucessão por herança, legado ou de doação em adiantamento da legítima, com de cujus (i.e., falecido) ou doador, titular das cotas, residente ou domiciliado no Brasil (“Fatos Geradores”), reformando, ainda que parcial ou integralmente, os entendimentos prévios proferidos por meio das Soluções de Consulta COSIT nº 98 de 21/06/2021 e 383 de 26/12/2024.
O entendimento da autoridade fiscal acerca do exposto acima foi motivado por provocação feita pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”), por meio do Parecer PGFN SEI nº 16.138 de 2021 (“Parecer PGFN”). Nesse sentido, vale destacar que, o entendimento proferido pela autoridade fiscal por meio da SC COSIT nº 21 buscou se delimitar à análise da matéria e dos casos específicos que foram objeto do Parecer PGFN, inclusive naquilo que tange ao “tipo de fundo” em razão da composição de sua carteira.
Em tal contexto, a COSIT proferiu o entendimento de que:
- A transferência de cotas de FIAs Fechados e de FIs Renda Fixa Fechados, em decorrência dos Fatos Geradores devem ser consideradas como eventos de “alienação” para fins tributários, nos termos do disposto no § 2º do artigo 46 da IN 1.585;
- Tomando como premissa o conceito de que a transferência de cotas dos referidos tipos de fundos em razão dos Fatos Geradores deve ser considerada como “alienação” para todos os fins tributários e em razão de tal alienação se dar fora do ambiente bursátil (i.e., mercado de balcão organizado), deverá se aplicar, o disposto nos artigos 16, inciso II, e 18, §15 da IN 1.585. Ou seja, a tributação deve ocorrer de acordo com alíquotas progressivas de 15% (quinze por cento) a 22,5% (vinte e dois vírgula cinco por cento), previstas nos incisos I a IV do art. 21 da Lei nº 8.981/1995 (“Alíquotas Progressivas”), incidindo o imposto sobre a renda (“IR”) a depender do ganho de capital auferido, sendo a administradora do fundo, ou a instituição que intermediar a aplicação de recursos por conta e ordem de seus respectivos clientes, responsável pela retenção e recolhimento de IR (“Administradores”);
- Em resumo, ficou afastado o entendimento de que as cotas possam ser avaliadas pelo valor constante na declaração de bens do de cujus ou do doador e, portanto, afastada a possibilidade de aplicação do artigo 23 da Lei nº 9.532/1997 para apuração do IR devido no caso de transferência de cotas de FIAs Fechados e FIs Renda Fixa Fechados em razão dos Fatos Geradores, aplicando-se, nestas hipóteses as Alíquotas Progressivas.
A COSIT desenvolveu o racional de que sua análise delimitou-se ao universo dos casos específicos apresentados no Parecer PGFN e, portanto, sua avaliação considerou a liquidez da carteira dos fundos, utilizando como premissa a existência de ativos financeiros, afirmando que o afastamento da aplicabilidade do artigo 23 da Lei nº 9.532/1197 em tais casos decorreria do fato de que a intenção do legislador ao editar o referido artigo seria evitar que, em razão dos Fatos Geradores, os titulares das cotas tivessem que alienar outros bens (que não necessariamente seriam aqueles objeto da transferência) para fazer face ao IR devido, motivação essa que não seria aplicável nos casos objeto da SC COSIT nº 21.
Tal entendimento decorre do fato de que tais fundos possuem ativos financeiros dotados de liquidez suficiente para serem alienados (em mercado secundário), sem qualquer necessidade de disposição de bens adicionais pelos titulares das cotas para fazer jus a tal IR devido, sendo que a definição “ativo financeiro” está prevista no artigo 2º da Resolução CMN nº 4.593/2017, que definiu quais tipos de ativos seriam considerados como ativos financeiros, sem prejuízo do disposto na ICVM 555, objeto da análise, quanto à tal classificação.
Assim, ao analisarmos os fundamentos, delimitação da análise e conclusão da SC COSIT nº 21, entendemos haver margem para interpretação no sentido de que, nos casos de transferência de cotas de fundos de investimento em direitos creditórios (“FIDCs”), constituídos sob forma de condomínio fechado e que sejam considerados “entidade de investimento”, nos termos da Lei nº 14.754/2023, não seria extensível aos FIDCs o mesmo entendimento dos demais fundos, ora mencionados, uma vez que, conforme disposto no inciso III do artigo 2º do Anexo Normativo II da RCVM 175, editada pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), as carteiras dos FIDCs devem ser majoritariamente compostas por direitos creditórios, independentemente destes ativos serem classificados como “ativos financeiros”, enquanto que, de acordo com a referida Lei, o enquadramento tributário de FIDCs ocorre mediante alocação mínima de 67% (sessenta e sete por cento) de seu patrimônio em direitos creditórios.
Nesse sentido, é possível concluirmos que, diferentemente dos tipos de fundos que foram objeto da SC COSIT nº 21, os FIDCs, por sua própria natureza, não devem possuir obrigação de deterem em suas carteiras apenas “ativos financeiros”, dotados de liquidez – pelo contrário, devem ter como estratégia majoritária, inclusive em observância à Resolução 175 e à Lei n° 14.754/2023, a aquisição de direitos creditórios que podem (ou não) ser considerados como ativos financeiros, conforme entendimento da CVM dado por meio do Ofício-Circular nº 8/2023/CVM/SSE.
Tal situação regulatória atribui estratégia sui generis de alocação aos FIDCs, que, naturalmente, resultaria em uma ausência, em grande parte, de liquidez das suas carteiras – o que poderia impossibilitar, por exemplo, a alienação de ativos e/ou direitos creditórios detidos pelas carteiras de FIDCs em mercado secundário para fazer jus ao pagamento do IR devido nos casos de transferência em decorrência do Fatos Geradores, especialmente ao se considerar os Administradores destes como “responsáveis tributários”.
Por tais motivos, a aplicabilidade do entendimento da SC COSIT nº 21 na transferência de cotas dos FIDCs poderia gerar uma possível distorção daquilo que a autoridade fiscal buscaria alcançar e disciplinar com a publicação da referida Solução de Consulta, uma vez que, resta claro de que os FIDCs, por suas próprias naturezas, possuem em suas carteiras ativos financeiros e/ou direitos creditórios que não são dotados de liquidez, o que se evidencia, além de todo o exposto acima, também pela adoção do legislador de um regime de tributação diferenciado para tais FIDCs, conforme verifica-se na Seção III da Lei 14.754/23, a qual prevê que este tipo de fundo não está sujeito a tributação periódica conhecida como “come cotas”.
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