STJ: TEORIA DA ACTIO NATA SUBJETIVA E AS DEMANDAS SOCIETARIAS
Por Luisa Andrade Leal Passos. | Publicado em 03/12/2024. Em julgamento de 10 de setembro de 2024, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em sede de agravo interno...
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Para a desesperança dos mais “terrivelmente positivistas kelsenianos” estaríamos enveredando em direção a um direito sem freios, um direito apenas principiológico, para o qual leva-se em conta tão somente o consequencialismo, sem observância às normas jurídicas construídas ao longo de décadas, com objetivo de oferecer segurança jurídica aos indivíduos e à sociedade.
Ao tempo em que Hans Kelsen produziu sua Teoria Pura do Direito, a quem se deve grande reverência, possivelmente outros estudiosos também o atacaram, por estar separando o Direito das outras ciências indispensáveis à consecução da Justiça, razão que nos leva a crer que nada pode ser visto “nem tanto à terra, nem tanto ao mar”. Precisamos ter em conta que a mais nobre e útil teoria é que nada pode ser dispensado quando almejamos a melhor e mais completa Justiça. E esta, nem sempre é realizada ou obtida na aplicação da pura e fria letra da norma jurídica positivada.
Assim, hoje nos permitimos trazer comentários ao que muitos tratam como uma nova ciência, outros como pura pragmatização do direito ou, que se trata do uso de novas ferramentas disponíveis capazes de ajudar na solução de conflitos. Preferimos advogar ser um novo método científico ou técnicas de estudo aplicáveis às diversas áreas do conhecimento, em especial ao Direito, como forma deste realizar a melhor Justiça.
Tratamos aqui da Análise Econômica do Direito, cuja utilidade está atrelada não somente ao direito judicializado, mas a todos os negócios ou decisões tomadas pelos indivíduos e pelas sociedades.
Sabemos que as instituições, desde os ensinamentos aristotélicos, sempre estiveram em movimento, impondo ou conquistando direitos e deveres, procurando regrar comportamentos através de ordens religiosas, sociais e jurídicas que, no mais das vezes, mesclavam-se. O Direito evoluiu do naturalismo ao canônico e ao normatizado. Na entrada do século XX viu sua independência ser proclamada por Kelsen deixando de lado a sociologia, a filosofia e também a economia. Para o Direito nada além das normas importava, deixando à beira do caminho até mesmo regras morais e éticas, além dos princípios econômicos.
A Segunda Grande Guerra foi capaz de confrontar a ordem legal com princípios da moral e da Justiça, ao mostrar que nem tudo o que é legal passa a ser justo. As normas jurídicas, como frias regras legais, merecem ser interpretadas, para que sejam mais equilibradas e equânimes. Nasce então uma valorização de comportamentos que, aqui no Brasil ficou marcada pela tridimensionalidade do Direito de Miguel Reale (fato + valor + norma), no qual as normas devem servir para regrar determinados fatos na exata proporção de seus valores.
No direito forâneo aparece uma nova escola que, embora alicerçada em estudos anteriores, ficou marcada por um artigo publicado em 1958, sob o título de “O Custo Social”, de Ronald Coase, verdadeira “pedra filosofal” da Análise Econômica de Direito.
Hoje, esta Análise Econômica de Direito, ou simplesmente AED, vem sendo vista como verdadeiro marco regulatório de proteção jurídica do indivíduo. Está se mostrando útil não apenas na solução dos conflitos, mas, e principalmente, nos negócios, contratos e decisões tomadas no dia a dia dos indivíduos, das empresas e no próprio setor público. Não existe mais um negócio ou contrato “absoluto”, totalmente abrangente e seguro, num mundo onde impera a escassez de bens e/ou de direitos; todo ato negocial sofre assimetrias informacionais, seleções adversas, falhas de mercado e de governo. Exige-se hoje pensar na minimização de custos e na maximização de resultados.
O Direito e a Economia sempre foram primos próximos, mas cada vez mais vem tomando forma de irmãos siameses, visto a aproximação que vem se estabelecendo pela realidade social. Com o aparecimento da AED abre-se um universo de argumentos, fundamentos e justificativas para novas interpretações, não apenas das normas jurídicas em si, mas dos próprios instrumentos e negócios jurídicos. Estão sujeitos a esses novos instrumentos, entendimentos e ferramentas, o direito de propriedade, a diversidade das espécies de contratos, as teorias da responsabilidade civil e penal, as relações laborais e de consumo, a tributação, as relações societárias, entre outras.
Ao olharmos o Direito atual com as lentes da economia, vislumbra-se uma concreta preocupação com o bem-estar social, do mercado (eficiente e/ou falho), a assimetria de informações que ronda o mundo dos negócios e, até mesmo, as interferências estatais.
A busca por maior racionalidade dos direitos individuais diante dos direitos sociais (universais) leva a questionamentos ainda não satisfatoriamente respondidos. Afinal, como e de que forma o comportamento do indivíduo e da sociedade é influenciado pelas normas jurídicas e, ao mesmo tempo, o quanto essas mesmas normas repercutem sobre a conduta pessoal e da coletividade?
É preciso considerar que nem só o direito judicializado trará a melhor solução. Pode-se afirmar com segurança que o direito aplicado segundo bases econômicas nos oferece perspectivas mais eficientes, através da confrontação dos benefícios entre as alternativas possíveis. Pode-se contar com mecanismos e ferramentas capazes de ajustar aspectos, tanto positivos quanto negativos, com menor custo e maior e melhor eficácia. Existem maneiras e formas que podem influir nas decisões, de acordo com as diferentes análises do custo-benefício.
Uma das premissas da AED é a menor interferência do Estado nas relações interpessoais. Quando o direito de propriedade está bem definido (propriedade corpórea ou incorpórea, de bens e/ou de direitos), as externalidades podem ser negociadas com baixo custo de transação, de modo a que as partes possam aproximar-se da melhor e da mais correta e justa solução para o conflito que já se instalou ou está prestes a ocorrer.
As externalidades, que nada mais são do que os efeitos e consequências dos atos, contratos ou decisões tomadas, tanto as não pretendidas quanto as minimamente pensadas, mensuradas ou mensuráveis dentro de uma relação de prioridades e riscos que cada uma das partes está disposta a correr, para atingir seus objetivos. Tais externalidades geram consequências, tanto de preço (custos pecuniários) quanto de valor (intelectual, moral, intangível etc.).
É sempre necessário considerar os custos de transação em relação aos ganhos pretendidos. Tais custos não significam apenas os valores envolvidos no negócio, no contrato ou qualquer outra operação que envolva dispêndios, tanto financeiros quanto outros como de tempo e na obtenção de informações. Leva-se em conta as incertezas que rondam as operações ou as situações que se pretende contornar ou evitar. É de se ter em conta dois aspectos comportamentais que geram custos de transação, os quais são a racionalidade limitada (os indivíduos não são capazes de serem verdadeiramente racionais, pois que levados pelas emoções e por outros valores não financeiros) e a existência do oportunismo (não convém um acordo só a quem não tem nada a perder).
Sendo o custo da transação superior ao pedido de uma indenização, objetivando manter a propriedade (física, moral, intelectual) por evidente que um acordo seria sempre mais que recomendável, ainda que esteja nele incluso alguma forma ou parcela compensatória. O valor a ser indenizado por qualquer das partes, desde que os custos de transação sejam os menores possíveis, ainda assim, as negociações se mostram favoráveis. Os custos de transação são determinados, de certa forma, pelas incertezas envolvidas no processo de transacionar. As externalidades, assim como os custos de uma transação, como demonstrou Coase, serão mais facilmente internalizados por quem mais valoriza a propriedade.
Vamos exemplificar a utilidade da AED com um rumoroso caso de direito privado que, recentemente, tornou-se público e esteve em todas as mídias: o litígio sobre os direitos de personalidade, imagem e fama entre os atores Johnny Depp (o Jack Sparrow de Piratas do Caribe) e Amber Heard (a Princesa Mera de Liga da Justiça e Aquaman).
Por razões que só a eles interessavam, após casados por pouco mais de 2 anos, ambos requereram o divórcio, cada qual por seus próprios motivos que poderiam ser simplesmente traduzidos por ofensas, difamações e acusações mútuas. Requereram indenizações milionárias e outras restrições e condenações.
Infelizmente, para ambos, não foram adequadamente assessorados, pois que não buscaram apenas a volta à vida de solteiros, mas sim causar o maior dano possível ao outro contendor. E, diferentemente do que dizia o personagem Jack Sparrow, “para que lutar se podemos negociar?”, Depp achou melhor lutar, tal qual fazia Amber.
A sentença no Tribunal não se mostrou vantajosa a nenhuma das partes. Além dos altos custos suportados, a demora da decisão, o constrangimento e exposição desabonadora, ambos foram condenados a pagar indenizações compensatórias a seu companheiro, cujo montante ultrapassou US$ 12 milhões. Mas os danos não ficaram por aí. Depp perdeu a oportunidade de filmar o “Piratas do Caribe” em sua sexta edição enquanto Amber vem sofrendo repreensões de seu público, amargando com isso prejuízos ainda maiores.
E fica então a pergunta: será verdadeiro o que afirmou Depp ao conhecer a decisão, de que “o júri devolveu a minha vida”?
Se fossemos recorrer à pregação de Coase que, uma vez definida a propriedade (Depp tinha o direito à sua imagem personalíssima, à sua fama e o direito aos benefícios advindos de novas filmagens dos “Piratas do Caribe”; Amber também tinha o mesmo direito ao reconhecimento público de seu talento) restaria saber sobre o que poderiam transacionar.
Definidas as prioridades e as externalidades possíveis, estas seriam colocadas na ordem decrescente, usando o Diagrama de Pareto (gráfico em colunas que ordena a frequência das ocorrências, da maior para a menor, permitindo a priorização dos “valores” de cada uma das partes envolvidas) através de históricos processuais e outras avenças. Com as atuais ferramentas que a Análise Econômica de Direito nos oferece (com estimativas pelo método quantitativo/qualitativo, da jurimetria/econometria, contando com um sistema computacional e um conjunto de algorítmos confiáveis, que levam em conta o maior número de informações possíveis de serem coletadas) não seria difícil chegar mais perto da “solução ideal” para o caso.
Transpareceu que nesse caso tomado como exemplo, a pretensão não era nada além de saber quem era mais “importante” ou mais “famoso”, sem se atentarem ao risco que estavam expondo sua propriedade e/ou os seus direitos.
Mas lhes foi colocado a que preço isso seria obtido? Aqui entraria a figura do bom advogado. Não estaria de olho apenas nos polpudos honorários que lhe cairiam em mãos, com a obtenção de gordas indenizações, mas antes de tudo, os resultados negativos que poderiam advir de uma sentença contrária aos seus clientes. Não se tratava de mensurar apenas o que se poderia perder, mas também o que se deixaria de ganhar!
A AED leva em conta que os agentes devam ser racionais em suas escolhas ou decisões! Contudo, quando se trata de travar uma luta apenas como desagravo insano, a exemplo dos atores famosos, nenhum argumento será suficientemente bom para levar a um acordo e, a solução quando judicializada, pode ser ainda muito mais custosa do que os ressarcimentos financeiros obtidos.
O puro Direito não se presta para corrigir distorções e conflitos. Um novo conceito de Estado prevê que este só intervenha para facilitar a economia ou ajustar distorções sociais, deixando que o próprio mercado regule as atividades produtivas de modo a gerar riquezas e benefícios maiores ao “Estado Mundo”. Sem o Judiciário, por certo os resultados da animosidade entre os famosos teria sido menos danosa.
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